sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Introdução

Se o fim individual leva a estados de angústia diversos, a possibilidade de destruição universal da humanidade, de nosso planeta e da existência como nós a conhecemos poderia gerar um sentimento de fatalidade quase insuportável. Contudo, bem ao contrário, imaginar o fim do mundo é atividade frequente na longa História da cultura humana, com deslocamentos e mutações que vão do pensamento em torno do sagrado até a ficção produzida pela indústria cultural. O fim do mundo – identificado ou não com o fim da espécie humana, o fim da vida biologicamente complexa ou uma destruição cósmica que arrasaria nosso planeta – fascina, seu imaginário desloca-se facilmente do medo ao desejo (uma vez que a destruição implicaria uma mudança de estado, que não poucos consideram terrivelmente desejável), da repulsa ao êxtase, do fatalismo à catarse.

No primeiro semestre de 2010, dentro da disciplina TL096-A - Tópicos Especiais de Literatura e Outras Produções Culturais I, tentamos na medida do possível nos aproximar desse universo instável, nebuloso, perigoso. Várias estratégias de aproximação foram usadas, uma delas a criação ficcional por parte dos alunos, que assim percebiam a difícil tarefa do autor (de qualquer narrativa dentro do tema proposto) em articular um pequeno universo que sofreria a Extinção tão temida em nosso universo em geral. Os resultados foram incrivelmente estimulantes, com ampla variedade de tema, estrutura narrativa, forma/mídia de expressão, reflexão e posicionamento filosófico  – por isso, a decisão coletiva de tornar, na medida do possível, disponível a todos tal experiência de criação.

O fim do mundo, como construção ficcional, possui uma complexidade ímpar e um impacto cada vez maior em nossa sociedade hodierna, ela mesma cercada de ameaças apocalípticas – reais e imaginárias. A ficção exorciza alguns desses fantasmas, ao mesmo tempo que recupera a dimensão humana da extinção, esquecida por futurologistas que simulam a destruição com alegre prazer. No século XIX, o poeta Walt Whitman deu a dimensão desse universo em alguns versos terríveis e belos:

"Porque enfim compreendo que és os conteúdos essenciais,
Que, por qualquer razão, te escondes nestas mutáveis formas de
               vida, e que elas existem sobretudo para ti,
Que, para além delas, surges e permaneces, tu, realidade real, 
Que, sob a máscara das coisas materiais, aguardas pacientemente,
               não importa quanto tempo,
Que, talvez um dia, tudo dominarás,
Que talvez dissipes todo esse imenso desfile de aparências,
Que talvez seja para ti que tudo existe mas não perdura,
Mas tu perdurarás."*

Alcebiades Diniz Miguel

* WHITMAN, Walt. Cálamo. Trad: José Agostinho Baptista. Lisboa: Assírio & Alvim, 1999.

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